Telegram diz que removeu grupos de forrozeiros acusados de vazar cenas de sexo com mulheres que conheceram em casas de forró
31/07/2025
(Foto: Reprodução) Mulheres acusam homens de vazarem fotos e vídeos íntimos após encontros em casas de forró
O Telegram informou na quarta-feira (30) ao g1 que removeu dois grupos usados por forrozeiros denunciados por vazar e vender cenas de sexo com mulheres que conheceram em casas de shows e festivais de forró no Brasil e no exterior. Ainda segundo a plataforma digital, as identidades e os dados de quem comete crimes virtuais podem ser divulgados às autoridades mediante decisão judicial (saiba mais abaixo).
As vítimas foram fotografadas e filmadas por esses homens, sem conhecimento delas, durante relações sexuais consensuais que tiveram com os parceiros fora dos locais dos eventos. Depois souberam ou viram que esses nudes não autorizados por elas acabaram divulgados nos grupos "Cremosinhas da Putaria" e "Vazadinhas Inéditas", ambos hospedados no Telegram.
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"Os grupos que você nos enviou já foram removidos pelos moderadores. Se você encontrar qualquer outro conteúdo para denunciar, eu agradeceria muito se pudesse compartilhar os links para que os moderadores possam investigar mais a fundo", respondeu o representante do Telegram no Brasil por e-mail à equipe de reportagem.
"O Telegram pode divulgar para autoridades o endereço IP [sigla para Protocolo de Internet] e o número de telefone de criminosos que violam seus termos de serviço em resposta a solicitações legais válidas. Essa política está em vigor desde 2018 e permite que o Telegram auxilie investigações policiais e mantenha a plataforma segura", informa um dos trechos da nota da plataforma (veja abaixo o restante do comunicado).
A remoção dos grupos ocorreu alguns dias depois de o g1 entrar em contato com o Telegram informando da existência do "Cremosinhas da Putaria" e do "Vazadinhas Inéditas". E de que eles compartilhavam imagens íntimas de mulheres.
PF vai investigar grupos
Telegram informou que os grupos "Cremosinhas da Putaria" e "Vazadinhas Inéditas" (nas fotos à esquerda e à direita, respectivamente) foram removidos da plataforma após reportagem do g1. Ao centro, casais dançam forró em uma das casas citadas num dos grupos
Reprodução
Na terça-feira (29) o g1 noticiou que a Polícia Federal (PF) de São Paulo vai investigar esses grupos por revenge porn (pornografia de vingança) e assédio sexual. Como outras mulheres que chegaram a namorar os forrozeiros também os acusaram por agressões e perseguições, a PF poderá apurar lesão corporal e ameaça.
A Polícia Federal ainda tentará identificar e responsabilizar os homens que cometeram esses crimes contra as vítimas. Pelo menos 12 mulheres procuraram a Bancada Feminista do PSOL na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e na Câmara Municipal da cidade para denunciar os abusadores.
Sete delas afirmaram que tiveram fotos e vídeos íntimos compartilhados sem autorização por homens que conheceram no ano passado em eventos de forró. Outras cinco relataram ter sido assediadas e agredidas por frequentadores de casas do gênero e professores de escolas de dança.
Os crimes ocorreram na capital paulista, em Cotia, na região metropolitana de São Paulo, no Rio de Janeiro e em Turim, na Itália.
Vítimas são abordadas no forró
Mulheres denunciam homens por venderem fotos íntimas
O g1 conversou com duas dessas mulheres e recebeu o áudio de uma outra vítima. Elas aceitaram falar sem que fossem identificadas. As entrevistas foram gravadas em vídeo (veja acima).
"Minha vida virou um inferno. Eu não dormia mais, já estava com crise de pânico, de ansiedade", disse uma mulher que acusa um ex-namorado que conheceu no Remelexo de ter divulgado fotos nuas dela no "Cremosinhas da Putaria".
Segundo um ex-membro do "Cremosinhas da Putaria", que denunciou o grupo a uma das vítimas, ele foi criado há quase uma década, tinha cerca de 150 participantes e cobrava taxa de R$ 50 mensais deles. O denunciante encaminhou prints da página para a mulher, que teve imagens suas exibidas na rede.
Entre os membros desse grupo estavam forrozeiros, professores e músicos de bandas que frequentavam, davam aulas ou tocavam em oito casas e projetos ligados ao forró: Remelexo, Canto da Ema, Baile dos Ratos, Forró dos Ratos, Miliduki, Jai Club, To The Sea e Giramundo.
Ainda segundo o ex-membro do grupo, eram nesses espaços que os integrantes do "Cremosinhas da Putaria" abordavam as mulheres para tentar ter relações sexuais com elas fora dali. Para isso, combinavam quem seriam as vítimas e trocavam informações sobre elas, como vídeos e fotos, dados pessoais, eventos de forró que iam, preferências na cama, se transavam após as baladas de forró, fragilidades e se tinham filhas.
'Carne para ser consumida'
Mulher recebeu na rede social print com foto dela em página de grupo de forrozeiros no Telegram. Segundo denunciante, homens postavam imagens nuas de mulheres com as quais tiveram relacionamento
Reprodução
Os participantes do grupo chamavam as mulheres de "presas" e diziam compartilhar vídeos “das mais gostosas do forró para sexo fácil” no "Cremosinhas da Putaria".
“Vocês são vistas como carne para ser consumida”, escreveu o ex-membro do grupo, numa das trocas de mensagens com uma das vítimas. O g1 teve acesso a essa e outras conversas (veja nesta reportagem).
Em fevereiro deste ano a capa do "Cremosinhas da Putaria" foi exposta como forma de denúncia em redes sociais voltadas ao público que frequenta o forró. Entre as fotos, estavam algumas de mulheres fazendo sexo com homens (as imagens foram borradas nesta matéria pelo g1). Houve repercussão à época, inclusive com posicionamentos de algumas casas citadas no grupo. Músicos e mulheres também comentaram.
Posteriormente, surgiram outras vítimas e mais denúncias parecidas. Em uma delas, uma brasileira que vive em Turim contou à Bancada Feminista que suspeita que sua imagem íntima foi gravada e divulgada sem o seu consentimento no "Vazadinhas Inéditas" do Telegram. Ela desconfia de um italiano e de um inglês com quem se relacionou após ter conhecido em festivais de forró na Itália.
"Eu só consegui ver uma imagem de uma... como se fosse um vídeo, a capa de um vídeo. Porque eu lembro que tinha o logo do play e um pedaço de pele da cor da minha", falou a mulher.
Grupo na Europa é investigado
'Vazadinhas Inéditas' é outra página que circula na Europa e mostra imagens íntimas sem autorização de mulheres que frequentam o forró
Reprodução
Assim como o "Cremosinhas da Putaria", o "Vazadinhas Inéditas" também é voltado a homens que frequentam forrós, mas na Europa. O grupo se descreve como um espaço no qual são compartilhados vídeos "caseiros das mais gostosas do forró para sexo fácil”. E cita Portugal e Alemanha como alguns dos países onde as vítimas poderiam ser encontradas.
Outras mulheres também disseram ter nudes divulgados em alguns desses grupos. Uma outra vítima que mora em São Paulo falou que viu o vídeo íntimo dela e se reconheceu nele porque aparecia sua tatuagem nas costas. A imagem foi compartilhada com ela por um amigo.
Após isso, a mulher contou que ficou com receio de voltar a dançar. "Fiquei muito mal com essa história, nem quero mais colar nos forrós de São Paulo", num áudio enviado ao g1.
Mais vítimas relataram ter sofrido outros tipos de violência no contexto do forró, como ameaças de morte e agressões físicas cometidas por frequentadores e músicos de bandas. Também disseram que ocorreram comportamentos inapropriados e assédio sexual por parte de frequentadores e professores de forró durante a dança.
Feministas criam rede de apoio
Mulheres da Bancada Feminista do PSOL mostram flor de crochê que será distribuída a frequentadoras de casas e festivais de forró para protestar contra o assédio
g1 SP
Todas essas denúncias feitas para a Bancada Feminista seguiram para o Ministério Público Federal (MPF), na capital paulista. A Procuraria acompanha o caso e pediu para a PF abrir inquérito. Alguns dos abusadores foram identificados previamente pelas mulheres, outros ainda não.
"Tem fortes indícios, pelo que a gente conseguiu levantar e coletar, de que é uma organização criminosa. As denúncias seriam a ponta de um iceberg que vai revelar uma rede que tem probabilidade de ser inclusive internacional", falou ao g1 a advogada Gabriela Nery Rossi Leão, que colabora com a bancada.
Segundo Debora Machado, assessora cultural da bancada, a intenção das feministas não é a de criminalizar o forró, mas levar a discussão sobre misoginia às casas de shows. Até para que homens possam abraçar a campanha de conscientização e garantir que mulheres continuem a frequentar esses espaço, mas com segurança.
"As mulheres acham que esse caso acaba sendo individual, quando a gente foi percebendo que isso está sendo uma prática dentro do ambiente do forró. O que é muito triste, mas a gente também quer que essas mulheres se encorajem para falar", disse Debora.
Flor de crochê contra misoginia
Frente Fulô iniciou campanha contra assédio e misoginia no forró no festival nacional em Itaúnas, em julho de 2025 no Espírito Santo
Divulgação
Com esse propósito, a bancada lançou a Frente Fulô — sigla para Forró Unido Livre de Ódio —, que faz referência a uma flor de crochê. "A gente está começando uma campanha de conscientização que vai circular por dentro do ambiente do forró para trazer uma mudança", falou a assessora.
A proposta é que a flor de crochê seja usada por forrozeiras, cantores e cantoras em casas de shows e festivais, como símbolo da luta contra a misoginia. Quem quiser fazer denúncias contra assédio no forró pode acessar a página da Fulô na internet.
Um relatório da SaferNet Brasil, enviado em 2024 ao Ministério Público Federal, à Polícia Federal e a autoridades francesas, aponta que mais de 1,25 milhão de usuários do Telegram no Brasil participam de grupos que compartilham crimes digitais. Entre eles estão a venda e a divulgação de imagens íntimas vazadas sem consentimento, material pornográfico criado com inteligência artificial e conteúdos de abuso sexual infantil.
O g1 procurou todas os oito espaços citados. Até a última atualização desta reportagem, somente Jai Club e Forró dos Ratos não haviam se pronunciado. As demais repudiaram as atitudes de homens que abordam mulheres que frequentam suas casas para expor elas nas redes sociais. Veja aqui o que elas disseram.
O que diz o Telegram
Telegram
Getty Images
O Telegram foi procurado para comentar o assunto antes da publicação da reportagem, mas não havia respondido o g1 até a sua publicação na terça-feira (29). A empresa foi questionada sobre que medidas irá tomar diante da denúncia de que grupos da plataforma estão divulgando imagens íntimas de mulheres sem autorização.
Na quarta-feira (31), o Telegram se posicionou por meio da nota abaixo:
"Pornografia não consensual é estritamente proibida pelos Termos de Serviço do Telegram e é removida prontamente. O Telegram monitora proativamente as partes públicas do aplicativo e aceita denúncias para remover milhões de conteúdos nocivos todos os dias, incluindo pornografia não consensual.
O Telegram aceita denúncias de todos os usuários e organizações por meio das ferramentas de denúncia no aplicativo e pelos canais dedicados por e-mail, como abuse@telegram.org. Toda denúncia é analisada.
Para informações mais detalhadas e estatísticas diárias, visite a página de moderação do Telegram em https://telegram.org/moderation.
Adicionalmente, gostaria de aproveitar para fornecer um posicionamento sobre a afirmação da SaferNet, presente na notícia do G1, segue:
A afirmação de que 1 milhão de usuários brasileiros do Telegram estão em grupos que compartilham material de abuso sexual infantil (CSAM) é certamente um número absurdo, já que o Telegram está totalmente comprometido em impedir que conteúdos ilegais, incluindo CSAM e mídia não consensual, apareçam em sua plataforma, e aplica uma política rigorosa de tolerância zero.
Desde 2018, todo conteúdo de mídia enviado à plataforma pública do Telegram é verificado em comparação com um banco de dados abrangente de CSAM previamente removido pelos moderadores do Telegram. Esse banco de dados é reforçado com dados da Internet Watch Foundation. O Telegram pode divulgar para autoridades o endereço IP e o número de telefone de criminosos que violam seus termos de serviço em resposta a solicitações legais válidas. Essa política está em vigor desde 2018 e permite que o Telegram auxilie investigações policiais e mantenha a plataforma segura."
Ao menos 12 mulheres levaram denúncias para grupo feminista. Casos estão com o Ministério Público Federal
g1 Design
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