Achado sem vida em cela: inquérito não vê crime de policiais na morte de dentista preso por suposta embriaguez em SC
01/08/2025
(Foto: Reprodução) Cesar Maurício Ferreira, de 60 anos, foi encontrado morto na cela de uma delegacia
NSC TV/ Reprodução
A Polícia Civil informou que não encontrou indícios de negligência policial na prisão do dentista e servidor público Cézar Maurício Ferreira, de 60 anos, encontrado morto dentro da cela de uma delegacia horas após ser abordado por uma suposta embriaguez em São José, na Grande Florianópolis.
A informação foi divulgada pelo delegado responsável pela investigação, Akira Sato, em coletiva de imprensa nesta sexta-feira (1º). A polícia informou, no entanto, que adotará novos protocolos de atendimento após o caso.
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O dentista foi preso pela Polícia Militar na noite de 18 de julho por embriaguez ao volante e encontrado sem vida horas depois na delegacia. O laudo da Polícia Científica apontou que a causa da morte foi arritmia cardíaca. Além disso, exames toxicológicos revelaram que não havia presença de álcool no organismo da vítima.
A Polícia Militar diz que, durante a abordagem, os agentes identificaram sinais de alteração psicomotora. Por essa razão, Cezar foi levado à delegacia por suspeita de embriaguez ao volante.
Segundo o advogado da família, Wilson Knoner, Cézar estava sofrendo um infarto agudo e não foi socorrido adequadamente. Já Sato diz que a investigação concluiu que uma pessoa fora da área médica não teria condições de entender esses sintomas como patológicos.
"Por essas razões, não há como falar em prática de crime omissivo, na forma dolosa ou eventual, ou na sua forma comissiva, e também na sua forma culposa", informou o investigador (veja mais abaixo).
A Polícia Civil informou que adotará novos protocolos de atendimento para as delegacias receberem pessoas sem condições de responder no momento da prisão, como no caso de Cezar.
Essas medidas devem incluir, por exemplo, o preenchimento de um contato de emergência no perfil do cidadão, que passará a ficar disponível nos sistemas dos agentes de segurança pública, segundo o delegado-geral Ulisses Gabriel.
Investigação
O resultado da investigação é baseado em laudos que apontaram que os medicamentos encontrados no organismo do dentista podem causar sonolência e confusão mental moderada, sintomas que poderiam ser confundidos com embriaguez. Eles também analisaram a gravação em vídeo do interrogatório de Cézar.
"Não foram evidenciados atos típicos criminosos, ações dolosas ou ações negligenciais de cunho culposo por parte de todos os servidores envolvidos nessa ocorrência, desde o atendimento no local do acidente até o encontro do corpo do senhor Cézar na cela", informou o delegado Akira Sato.
O laudo toxicológico, feito com amostras de sangue e urina, identificou medicamentos usados no tratamento de depressão, problemas cardíacos e diabetes, todos de uso contínuo, segundo a defesa. A vítima também usava marcapasso.
Morte de dentista em cela de delegacia
Um laudo complementar, solicitado pela Polícia Civil, questionou sobre os efeitos no corpo humano dos medicamentos encontrados. Segundo a perita-geral da Polícia Científica, Andressa Boer Fronza, eles poderiam ser confundidos com sinais de embriaguez.
"O perito apresentou que os sintomas no corpo humano desses medicamentos podem incluir tontura, fala arrastada, desiquilibrio, confusão mental, sonolência excessiva e coordenação motora prejudicada - que, sim, se assemelham a embriaguez por ingestão de álcool", comenta.
Ela afirma há várias possíveis causas para esse tipo de sintoma.
"É muito difícil, sem outros sinais ou sintomas sugestivos de doença cardíaca, de constatar um quadro clínico cardiológico grave por um profissional que não seja médico".
Relembre o caso
Cezar foi encontrado morto na cela da Central de Plantão Policial de São José na manhã de 19 de julho. O laudo feito pela Polícia Científica indicou que a causa da morte foi cardiopatia hipertrófica. Ela é uma doença cardíaca que provoca arritmia.
A cardiopatia hipertrófica é uma das principais causas de morte súbita, segundo o laudo. O documento também apontou substâncias como antidepressivos, relaxante muscular, antibiótico e medicamento contra diabetes e hipertensão no sangue do paciente.
O documento cita ainda que algumas dessas drogas podem aumentar o risco de arritmias.
Os procedimentos adotados pelos policiais militares são analisados em inquérito policial militar, informou a PM. A defesa dos militares se manifestou em nota dizendo que durnte a abordagem, Cezar não relatou qualquer mal-estar ou condição de saúde que justificasse encaminhamento médico.
"Ressaltamos que profissionais envolvidos na ocorrência – tanto da Polícia Militar quanto da Polícia Civil – possuem décadas de atuação e experiência no serviço público. Todos chegaram à mesma constatação (embriaguez) com base nos sinais apresentados", diz.
Confira a íntegra da nota da defesa dos policiais:
Acompanhamos, na data de hoje, os policiais militares responsáveis pela condução do Sr. Cezar Maurício Ferreira para prestar depoimento junto à Polícia Civil, em razão de sua participação em um acidente de trânsito. Na ocasião, foram constatadas irregularidades como licenciamento vencido, carteira nacional de habilitação fora da validade e sinais evidentes de embriaguez.
Antes de qualquer consideração, é fundamental expressar nosso respeito à dor dos familiares e ao luto decorrente da perda. No entanto, diante das informações divulgadas por alguns veículos de imprensa – especialmente aquelas que insinuam condutas indevidas por parte dos policiais militares –, alguns esclarecimentos se fazem necessários:
O laudo pericial indicou a ausência de ingestão de bebida alcoólica. Contudo, é inegável que o Sr. Cezar apresentava sinais clínicos compatíveis com embriaguez. A Polícia Militar, cumpre frisar, não realiza exame toxicológico ou pericial, apenas lavra o Auto de Constatação de Sinais de Alteração da Capacidade Psicofísica, conforme previsto em lei. Tal procedimento tem por finalidade relatar sinais observáveis, e não emitir diagnóstico conclusivo sobre embriaguez.
Cabe esclarecer ainda que, salvo manifestação expressa do próprio cidadão, não é possível aos policiais presumirem a existência de patologias pré-existentes ou situações médicas específicas. Durante toda a abordagem, o Sr. Cezar não relatou qualquer mal-estar ou condição de saúde que justificasse encaminhamento médico.
Ressaltamos que profissionais envolvidos na ocorrência – tanto da Polícia Militar quanto da Polícia Civil – possuem décadas de atuação e experiência no serviço público. Todos chegaram à mesma constatação (embriaguez) com base nos sinais apresentados.
O lamentável desfecho do caso trata-se de uma fatalidade, profundamente sentida por todos. Reafirmamos, contudo, que não houve qualquer tipo de negligência ou conduta imprópria por parte dos agentes públicos.
Mais provas da abordagem serão devidamente encaminhadas às autoridades competentes para contribuir com a elucidação dos fatos.
Delegacia em São José (SC)
Carol Fernandes/ NSC TV
O que diz a família de Cezar?
A família de Cezar questiona o atendimento policial. Confira a nota da defesa abaixo:
O Advogado da Família do Dr. Cezar Maurício Ferreira, diante do Laudo Pericial Complementar que determinou a causa da morte, considerando o interesse público e a necessidade de restabelecer a verdade dos fatos, manifesta-se por meio da presente nota.
O Laudo Pericial confirmou o que a família da vítima, seus amigos e colegas afirmavam desde o momento em que souberam da estarrecedora sequência de erros que resultaram em sua morte:
1. A causa da morte foi um evento cardíaco agudo. O laudo é conclusivo ao apontar que o Dr. Cezar foi vítima de uma "Arritmia cardíaca causada por cardiopatia hipertrófica", uma doença grave da qual era portador. Seus sintomas de desorientação e incapacidade de comunicação não eram sinais do crime de “embriaguez ao volante”, mas sim o prenúncio de uma tragédia médica que se desenrolava em tempo real e que podia e deveria ser evitada pelos dois Policiais Militares e Policiais Civis que o prenderam e o confinaram naquela maldita gélida cela da delegacia para ter uma morte agonizante, sozinho, sem socorro algum.
2. A tese de "embriaguez ao volante" era uma farsa. Conforme a família sempre sustentou, o Dr. Cezar não havia consumido álcool. Não era de seu feitio e todos que o conheciam sabiam disso. A pecha vexatória, contudo, lançou mancha escarlata sobre a biografia de um homem íntegro e de reputação ilibada. O laudo, ao determinar uma causa de morte estritamente patológica, somado ao exame toxicológico anterior que já havia atestado a ausência de álcool, serve como prova científica definitiva da natureza leviana e falaciosa da acusação que fundamentou sua prisão ilegal e que deu causa a todos os demais atos que se seguiram.
3. O Dr. Cesar precisava de ambulância e atendimento médico, não de um camburão e prisão. Isso já era evidente desde a abordagem e prisão no local da colisão e se tornou mais nítido ainda com seu interrogatório de “faz de contas” pela delegada de polícia. As normas da própria polícia civil impediam que Cezar fosse recebido na DP naquela condição. A norma fala “não será recebido o conduzido que necessite de atendimento médico, mesmo que não existam lesões aparentes ou que a lesão não tenha relação com a ocorrência”. Já na entrada, era visível a desorientação total e incapacidade de se autodeterminar, ou seja, a necessidade de atendimento médico. Mas, em vez de socorro, seus algozes – os agentes estatais – lhe deixaram sem atendimento médico, o que, num caso de cardiopatia que escancarava sinais de emergência, equivaleu a uma sentença de morte por omissão.
O que as provas agora demonstram inequivocamente é que, na noite de 18 de julho, os agentes do Estado se depararam com um cidadão em seu momento de maior vulnerabilidade. Um servidor público exemplar, um pai de família, um homem que precisava de uma ambulância, mas que, por uma presunção infundada e por uma grosseira falha de avaliação, recebeu como resposta uma viatura, uma acusação falsa e uma cela.
A morte do Dr. Cezar não foi um acaso e nem um acidente. Foi o resultado direto de lhe ter sido negado o socorro médico que a situação exigia. Sim, policial não é médico e nem enfermeiro e por isso mesmo é que deveriam chamar atendimento médico ainda enquanto havia vida, e não só às 7h40 da manhã do dia seguinte e apenas para constatar a morte da vítima Dr. Cezar.
Diante dos evidentes sinais de um homem agonizando e prestes a morrer, diante da inexistência de “odor etílico” [agora, até a escrivã e a delegada reconheceram expressamente, no novo inquérito, que 'não havia odor etílico algum'] cada minuto em que permaneceu sob a falsa acusação de embriaguez foi um minuto a menos em suas chances de sobreviver.
E o avanço do inquérito e da investigação defensiva que apura sua morte já desnudou coisas horripilantes que ocorreram naquela noite: só um PM disse no inquérito que existiu “odor etílico”, e mais ninguém. Onde está a embriaguez caracterizada pelo “odor etílico”? Apenas na mente perversa de quem inventou essa mentira.
O que levou os PMs a prenderem Cezar foi o suposto “odor etílico”. Os demais 'sinais de embriaguez' eram qualquer coisa, menos resultado de consumo de álcool. Mas agora, desvelada a mentira, já se ouve o burburinho sobre um novo 'scapegoat' que tentam inserir sorrateiramente: a invencionisse que os remédios que Cezar tomava é que geraram a prisão. Nada mais leviano. Afinal, sem o “odor etílico”, o que restaria?
O motorista do outro carro envolvido na colisão, ouvido, frisou expressamente que não havia 'odor etílico' nem cheiro de remédio em Cezar. Ao chegar na DP, Cezar não ficou sentado nas cadeiras aguardando ser ouvido ou sendo 'monitorado'. Ao contrário, ele foi para a cela, de onde posteriormente foi retirado para um interrogatório por videoconferência e, em seguida, devolvido à cela; prevaleceu a presunção de que era “mais um bêbado” fingindo desorientação a fim de escapar da vergonha de ter que informar familiares e do escândalo que adviria [há um policial que diz isso!!!]; submeteram-no a um interrogatório de 'faz de conta', no qual a própria delegada admitiu que ele 'não tinha condições' de participar; omitiram a revista ou exame que teria revelado em segundos sua condição de cardiopata; e, por fim, o abandonaram em uma cela para morrer. São apenas a “ponta do iceberg” das revelações decorrentes das investigações.
O homem foi encaminhado ao Presídio Regional de Criciúma. A família recebe a conclusão do laudo com o peso da confirmação, mas reitera seu clamor por Justiça. A verdade sobre a causa da morte está agora estabelecida. Falta, ainda, apurar e punir exemplarmente todos os responsáveis pela cadeia de negligências que permitiram que uma emergência de saúde fosse tratada como um caso de polícia, com consequências tão devastadoras e irreversíveis.
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